Observa-se ampliação das discussões acerca do envelhecimento, por vezes recaindo em certa glamourização dessa faixa etária, como oposto exagerado da desatenção que já predominou em nossas sociedades com relação às pessoas idosas.
O tema exige análise serena e realista em face da perceptível mudança demográfica em curso na América Latina e Caribe. Trata-se de um processo mundial, mas que adquire novos contornos na nossa região, marcada por desigualdade social, pobreza, desemprego, precarização do trabalho, reformas dos sistemas de previdência social que dificultam o acesso a aposentadoria e pensões. Bastante heterogêneo dentre os países latino-americanos e caribenhos, o ritmo da transição demográfica tende a ser mais lento em alguns deles, especialmente os mais pobres, para os quais a estimativa é de maior intensidade a partir de 2030.
De maneira geral, a população com mais de 60 anos de idade na América Latina e Caribe passará de 70 milhões de 2015 para 119 milhões em 2030, subindo para 147 milhões em 2037: um aumento de 59% em quinze anos (de 2016 a 2030) e de 23,5% nos sete anos seguintes (2031 a 2037). Infelizmente a ONU – Organização das Nações Unidas não incluiu essa preocupação nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000.
Entretanto, discussões em paralelo vêm ocorrendo e foram materializadas em 2015, por iniciativa da OEA – Organização dos Estados Americanos, com a aprovação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. Esse acordo é o primeiro voltado a defender que todas as liberdades fundamentais e direitos humanos são aplicáveis às pessoas idosas, abrindo a perspectiva para uma futura Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa Idosa no âmbito da ONU.
É de se indagar a razão de pessoas que participaram ativamente da produção de riquezas econômicas e da construção política, social e cultural de uma sociedade verem-se diante da necessidade de buscar novos marcos legais como instrumentos de defesa de seus direitos humanos e liberdades. Essa necessidade não deveria existir, mas somos sociedades que ainda não aprenderam a conviver com diferenças e que se pautam por um padrão masculino, branco, jovem e saudável. Ademais, na sociedade capitalista, a produtividade só tem significado econômico e a cultura ocidental não valoriza a experiência e sabedoria que os anos podem trazer e se concentra na secundarização, infantilização ou institucionalização das pessoas idosas.
Trata-se de uma forma complexa de discriminação por idade. Diferentemente de outros grupos que sofrem discriminação e se organizam para combatê-la, as pessoas idosas estão em toda parte, em todas as camadas sociais e não compartilham a discriminação como um algo que lhes é comum. Ainda assim, a cada dia surgem grupos voltados para a luta por seus direitos, principalmente na área da saúde, tendo em vista a ausência de políticas públicas direcionadas para prevenção de doenças e envelhecimento saudável.
Programas de envelhecimento saudável são essenciais para o favorecimento de condições para sua autonomia e independência, talvez um dos principais direitos desse grupo socio-etário. A condição humana, independentemente de qualquer outro atributo, assegura a não invisibilidade e o respeito a suas necessidades peculiares, demandando responsabilidades da sociedade e do Estado. Para muitos, à discriminação por idade somam-se outras – gênero, cor, orientação sexual, local de origem, fato que deve ser considerado.
Em 2002 foi realizada a Segunda Assembleia Mundial sobre Envelhecimento (Madri, 8 a 12 de abril) e aprovado o Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento de Madri. Trata-se de um marco no sentido da construção de uma sociedade inclusiva para todas as idades e apresenta diretrizes globais de ação voltadas para assegurar às pessoas idosas os direitos humanos e liberdades fundamentais e orienta políticas e programas sobre envelhecimento populacional. Reconhece que a solidariedade entre gerações, o combate à discriminação contra pessoas idosas e a construção de um futuro de segurança, oportunidade e dignidade para todas as idades é tarefa de todas as pessoas, jovens e idosos.
O Plano de Madri é orientado por três princípios:
1. participação ativa dos idosos na sociedade, no desenvolvimento e na luta contra a pobreza;
2. fomento da saúde e bem-estar na velhice: promoção do envelhecimento saudável; e
3. criação de um entorno propício e favorável ao envelhecimento.
Implementar esse Plano implica investimento em acesso universal à saúde, capacitação de profissionais do setor para atender às necessidades de pessoas idosas, estímulo à manutenção de seu protagonismo social e permanência no mercado de trabalho, caso queiram, e promoção de políticas que estimulem a solidariedade intergeracional e tenham a família como público-alvo.
A informação acerca dessa mobilização internacional sobre a mudança demográfica mundial raramente é compartilhada. Ainda que não se identifiquem como atingidos por um mesmo tipo de discriminação, é importante que as pessoas idosas saibam da existência de outras – idosas ou não – que lutam pelo respeito a seus direitos e que as organizações já existentes nessa seara busquem a vinculação com suas congêneres para uma articulação regional e internacional.
A exemplo, veja-se o art. 6º do Plano de Madri: Quando o envelhecimento é aceito como um êxito, o aproveitamento da competência, da experiência e dos recursos humanos dos grupos mais velhos é assumido com naturalidade, como uma vantagem para o crescimento de sociedades humanas maduras e plenamente integradas.
O envelhecimento é um processo natural que tende a se prolongar em face dos avanços da ciência e o redirecionamento das concepções da sociedade e das políticas públicas a ele relativas é um trabalho de interesse tanto das atuais como das próximas gerações.
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