Ponderações sobre a Social-Democracia Alemã
Atualizado: 23 de nov.
A ascensão dos social-democratas na Alemanha
Pouco mais de dois meses após a realização de eleições para o Bundestag, Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), foi anunciado, no último dia 24/11, como novo chanceler da Alemanha, em substituição a Angela Merkel, de cujo governo o próprio Scholz foi Ministro das Finanças. O anúncio ocorreu após a formação de uma grande coalizão governamental interpartidária, que será composta pelo SPD, pelos Verdes (ambientalistas) e pelo Partido Democrático Liberal (liberais à centro-direita).
A volta dos social-democratas à chancelaria alemã, após mais de uma década em que a agremiação ora compôs a oposição ao governo germânico, ora foi um “sócio minoritário” (junior partner) de coalizões lideradas pela União Democrata-Cristã (CDU), suscita importantes reflexões para o rumo da social-democracia na Europa, sobretudo em um contexto em que a extrema-direita marca constante presença no seio das grandes democracias do continente.
O SPD é uma das mais antigas agremiações políticas em atividade no planeta, fundada em 1863, e teve participação decisiva em vários momentos da história germânica contemporânea. Foi um dos primeiros partidos políticos a defender abertamente o marxismo na esfera parlamentar europeia, ainda no século XIX, momento em que os efeitos da Revolução Industrial afetavam sobremaneira a vida dos operários. É possível compreender a aprovação das primeiras legislações que regulavam a seguridade social na Europa continental, as quais foram editadas na década de 1880 sob a chancela do primeiro-ministro alemão Otto von Bismarck, como resultado das pressões exercidas pelo SPD, na Alemanha, em prol da regulamentação de direitos trabalhista – ainda que, por outro lado, seja mais provável que Bismarck tenha instituído o welfare state germânico justamente para impedir que a classe operária ingressasse na fila dos social-democratas.
Já nos anos 1930, o SPD foi o principal opositor da ascensão de Adolf Hitler à chancelaria alemã, posicionando-se como um defensor da democracia instituída sob a República de Weimar (criada por meio da progressista Constituição de 1919), apesar de tal período ter sido caracterizado pelos crescentes os questionamentos ao regime democrático no mundo ocidental.
Com efeito, a agremiação inovou ao optar por se distanciar do “confrontamento” com as chamadas “instituições burguesas” (opção adotada pelos comunistas e pelos anarquistas), escolhendo, ao revés, operacionalizar sua plataforma política por meio da participação no jogo eleitoral-democrático. Conforme defende Adam Przeworski, esta “opção por participar” esteve na raiz da própria social-democracia europeia – a opção pela reforma nos sistemas de seguridade social, em detrimento de uma revolução sangrenta e anticapitalista, aliou compromisso social, capitaneado por um Estado de matriz keynesiana, com a defesa de valores democráticos e foi fundamental tanto para a moderação do capital como para a melhora dos padrões de vida dos trabalhadores.
O momento atual na Europa: democracia, pandemia, migrações
Scholz assumirá a Alemanha em um momento em que novos casos de COVID-19 chegam a níveis inéditos no país germânico, os piores desde o começo da pandemia. Apesar de ter sido bem-sucedida no combate ao vírus durante os primeiros meses da emergência sanitária, a Alemanha se vê em um contexto doméstico turbulento, com significativa parcela de sua população hesitando em se vacinar e a lotação de seus hospitais crescendo dramaticamente. Repactuar as bases da seguridade social germânica, especialmente no que tange às ações em matéria de saúde pública, será um enorme desafio para a coalizão capitaneada pelo SPD de Scholz, especialmente se levadas em consideração a participação do Partido Democrático Liberal no governo e a histórica ênfase que os liberais (e, também, os governos de Berlim em geral) dão à austeridade fiscal. Será importante verificar as possíveis repercussões que a contenção dos gastos públicos pode a ter em matéria de prestação de serviços públicos na Alemanha, sobretudo naqueles que dizem respeito à seguridade social ampliada, os quais vem sofrendo profunda pressão no atual contexto pandêmico.
Igualmente problemática é a consolidação de grupos antidemocráticos e eurocéticos na Europa – a saída do Reino Unido da União Europeia e a problemática eleição presidencial que se avizinha na França poderão deixar a Alemanha solitária na defesa da social-democrata na Europa. Em Paris, o projeto integracionista de Emmanuel Macron será contestado, em 2022, por Marine Le Pen e Éric Zemour, ambos expoentes da extrema-direita francesa e que são bastante críticos da política de abertura a migrantes e sua redistribuição no bloco executada pela União Europeia, mediante a liderança de Merkel, durante a crise migratória de 2015. Mesmo na Alemanha, o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido da direita radical, segue sendo presença importante no Bundestag, ainda que a agremiação tenha perdido cadeiras no Parlamento nas eleições de 2021.
Espera-se, enfim, que Scholz mantenha os pilares da estabilidade democrática que caracterizam a Alemanha pós-guerra, pilares, estes, calcados na defesa da integração continental e, acima de tudo, da social-democracia. Foram tais valores os responsáveis pela prosperidade econômica e social do país devastado pelo nazismo.
MATERIAL UTILIZADO
https://www.dw.com/en/germanys-spd-fdp-and-greens-unveil-governing-coalition-deal/a-59915201
https://www.dw.com/pt-br/rejei%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-vacina-p%C3%B5e-alemanha-no-limite/video-59912273
PRZEWORSKI, ADAM. A social-democracia como fenômeno histórico. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/Nx9XGyKzZTphpQGNHtz6nJS/?lang=pt
https://exame.com/mundo/quem-e-olaf-scholz-proximo-chanceler-da-alemanha-e-substituto-de-merkel/