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Os cidadãos que permitem a continuação da vida

Raquel Marques Landgraf




Sabe o que os cirurgiões Hindus do século VI a. C. e os médicos Miguel Cendoroglo Neto e Fernando Bucal têm em comum? Ambos acreditavam que a vida deveria ser compartilhada.

Em Alexandria, os Hindus faziam enxertos de tecidos que permitiam a recuperação das mutilações que acometiam os habitantes da época. Os séculos se passaram, os conceitos de esterilização, técnica cirúrgica e a ciência médica como um todo evoluiu e culminou no que atualmente conhecemos como transplante de órgãos.



<a href="https://br.freepik.com/fotos-gratis/maos-segurando-um-coracao-no-conceito-de-amor-e relacionamento_17229748.htm#query=doa%C3%A7%C3%A3o%20de%20%C3%B3rg%C3%A3os&position=9&from_view=search&track=ais">Imagem de rawpixel.com</a> no Freepik




No que se refere ao Brasil, o início pode ser definido pela década de 60, com a realização do primeiro transplante no território, e pelo ano de 1997, em que uma legislação voltada especialmente para este procedimento foi aprovada no congresso. Embora seja uma prática recente com uma legislação mais recente ainda, a eficiência deste procedimento e os benefícios que ele traz são inquestionáveis, sendo o Brasil o 2° país que mais realiza transplantes no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Apesar de toda esta visibilidade e competência, o país ainda se encontra longe do ideal no que se refere a doação de órgãos.

Hoje no país há uma fila com mais de 66 mil pessoas esperando receber um transplante, e o número de doadores viáveis está em torno de 107 mil pessoas, ainda assim, apenas 7453 procedimentos foram realizados no ano de 2020 e mais de 4 mil pessoas morreram na fila de espera de transplante no mesmo ano. Este dado preocupante é reflexo de uma sociedade que ainda não entendeu como a doação de órgãos é o reflexo máximo de uma sociedade solidária. Segundo uma pesquisa realizada em 2009, por colaboradores da Universidade São Paulo (USP), a principal causa desses baixos números era a cultura, alegando que o “medo da perda” os impedia. De maneira análoga, em 2019, o DataFolha realizou uma pesquisa que apontou o desconhecimento sobre a legislação do transplante como um dos principais motivos para o baixo índice de doação. De certa forma, estes dois resultados se cruzam e fundem-se em um termo muito falado e pouco compreendido, o tabu.

Na tentativa de aumentar a visibilidade perante o tema, o Ministério da Saúde (MS) determinou que o dia 27 de setembro seria nomeado Dia Nacional de Doação de Órgãos e lançou a campanha do Setembro Verde em 2015. Esta campanha visa esclarecer e conscientizar a população sobre a importância deste ato, para isso propaga pôsteres com o slogan “Doe órgãos, doe vidas” e estimulam as mídias a discutirem mais sobre o tema. Este mecanismo de marketing se mostrou muito eficiente com vários temas de saúde pública que, até pouco tempo, eram considerados tabu, como a sexualidade, o preconceito e as drogas, mas demonstrou ser pouco eficaz para esta campanha em específico, visto que apenas 16 a cada 1 milhão de pessoas efetivamente doam órgãos atualmente. Uma estratégia adotada para os temas supracitados foi introduzi-los nas novelas, filmes e realizar discussões abertas nos jornais e mídias sociais, sendo estas ações cruciais para a ruptura do velamento que se formou em torno destes tópicos. No entanto, estas ações não foram devidamente aplicadas à doação de órgãos, o que tornou esta pauta deficitária e carente de uma real exposição. O caso do apresentador televisivo Fausto Corrêa da Silva, o Faustão - independente das discussões sobre a legitimidade da sua posição na lista de receptores - proporcionou um maior destaque para o tema. Cabe ressaltar que a fila é pautada na urgência que o paciente apresenta em receber o órgão logo, se houver a possibilidade de transplante, o órgão será transplantado no menor tempo possível. O Brasil apresenta um tempo médio de 90 dias de espera, para receber o transplante, e cerca de 30% dos pacientes na lista recebem o órgão em 1 mês, em uma realidade com maior número de doadores, este tempo seria cada vez menor o que proporcionaria uma melhor qualidade de vida maior para os transplantados.

As pessoas que necessitam de um transplante no Brasil, seja de órgãos ou tecidos, estão em uma lista única, cuja ordem é definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado e é controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). A posição é determinada pela estabilidade do paciente - característica avaliada por muitos fatores - ou seja, quanto pior o quadro mais ao topo da lista o paciente se encontra, obviamente dentro dos critérios de viabilidade de vida que esta pessoa apresenta.

Em relação ao doador, há duas modalidades, o doador vivo e o não vivo. No que se refere ao doador vivo, a pessoa deve ser maior de idade e capaz, e deve ser feita uma autorização judicial previamente; este pode doar órgãos como um rim, parte do intestino, parte da medula entre outros. Cabe ressaltar que para doar medula basta apenas fazer uma inscrição, no banco de sangue de sua cidade, seguido de uma coleta de apenas 20 ml de sangue e, caso haja um paciente que necessite deste tecido, a pessoa será contatada e os procedimentos darão continuidade, caso contrário nenhum procedimento invasivo será efetuado. Enquanto, para doadores não vivos, principal foco da campanha proposta pelo MS, as pessoas que são assistidas na unidade de terapia intensiva (UTI) e apresentaram um quadro de morte das células do sistema nervoso central (SNC), conhecido como morte encefálica, podem ser doadores de órgãos viáveis.

Esta morte celular é incompatível com a vida, mas com o equipamento certo é possível preservar a viabilidade dos demais tecidos, o que possibilita a sua remoção e doação, órgãos como rim, pulmão, coração e tecidos como valvas, córnea, ossos, entre outros podem ser necessários para a vida de outrem e este ato os salvaria. Para que o transplante seja realizado, o doador deve apresentar um tipo físico e sanguíneo compatível com o receptor e este deve estar em posição prioritária na lista. A dificuldade desses fatores coincidirem é notária, que, em consonância com o baixo número de doadores, torna ainda menor a possibilidade de se conseguir a doação.

Em seguida, ao ser autorizada a doação o doador passará por um procedimento cirúrgico, contudo nenhuma deformidade será visível durante o sepultamento, sendo este fato garantido pela lei brasileira. Cabe ressaltar também que uma equipe especializada irá conversar com os familiares após a contestação da morte encefálica, esses explicarão todos os procedimentos que serão realizados.

Por fim, para se tornar um doador de órgãos é necessário simplesmente deixar o seu desejo expresso para seus familiares, para que no momento certo eles possam permitir o procedimento. No entanto, caso possa haver alguma desavença entre esta vontade e o desejo dos familiares, ou ainda na tentativa de retirar esta responsabilidade das mãos deles, por ser um momento de luto, pode-se deixar um documento escrito e assinado com a permissão para a doação. Este simples ato pode salvar a vida de outras pessoas, sendo portanto um ato heroico, que permite que mesmo após a morte a vida possa prevalecer.

Doe órgãos, para salvar a vida de pessoas como Jorge que seu maior sonho era carregar o filho no colo, ou como Martha que conseguiu se curar da leucemia.

Doe órgãos, doe vida!





13 de setembro de 2023

Curadoria do Fórum Social Mundial da Saúde e Seguridade Social






MATERIAL UTILIZADO


Os trabalhos do FSMSSS são revisados por Isadora Borba e Rafaela Venturella De Negri



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