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O movimento zapatista

Zapatismo em Chiapas: o momento atual


A denúncia de que dois militantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional

(EZLN), organização que milita em favor dos direitos dos povos originários no sul do

México, teriam sido sequestrados por membros da Organización Regional de

Cafeticultores de Ocosingo (ORCAO), corporação paramilitar que estaria a serviço do

Estado mexicano, no dia 11 de setembro de 2021, voltou as atenções do planeta para

o conflito social existente na região de Chiapas, estado que se localiza na parte mais

meridional do país, é lar de vasta população de origem indígena, cuja ancestralidade

remonta ao Império Maia, e abrigou uma das insurreições políticas mais originais da

história recente da América Latina.


Com a denúncia, cresceram os temores de conflitos militares na região. Os

zapatistas afirmam que a ação de sequestro, levada a cabo contra Sebastián Núñez

Pérez e José Antonio Sánchez Juárez, foi tomada com o beneplácito do governador

de Chiapas, Rutilio Escandón, aliado político do atual presidente Andrés Manuel López

Obrador. Em seu manifesto, os insurgentes também desnudaram a repressão policial

face a estudantes de escolas rurais do Estado, frequentadas majoritariamente por

descendentes de povos nativos, a lentidão na campanha de vacinação contra a

COVID-19 na região e os laços das autoridades de Chiapas com o narcotráfico do

país, clamando por uma solidariedade internacional em relação ao movimento.


A relação entre o EZLN e os principais círculos políticos mexicanos,

particularmente com o presidente López Obrador (filiado ao MORENA, partido de

esquerda), é complicada. Os militantes da organização já faziam críticas ao atual

presidente desde o começo dos anos 2000 (particularmente desde a campanha

eleitoral de 2006), indicando que o mesmo seria um opositor da organização e um

aliado de indivíduos que compactuaram com o massacre de Acteal, que ocorreu em

1997 e tirou a vida de cerca de 45 indígenas, entre eles crianças.


No ano da vitória de Obrador (2018), os zapatistas se apresentaram como uma

das únicas vozes da esquerda contrárias ao presidente. Os mesmos foram

responsáveis por divulgar nota intitulada “Píntale caracolitos a los malos gobiernos

pasados, presentes y futuros”, que expressava a sua rejeição ao novo governo,

indicando que Obrador seria apenas mais um político tradicional mexicano, portanto desinteressado na proteção aos povos indígenas.


Algumas das principais críticas formuladas pelos zapatistas ao atual mandatário

têm relação com o fato de que López argumenta que as desigualdades sociais que

afetam a população mexicana não são provenientes da estrutura do sistema

capitalista, mas sim da corrupção que assola o país. Dessa forma, a desconfiança dos

militantes do EZLN não é em vão; governos anteriores já chegaram a empregar

discursos semelhantes aos de Obrador, abstendo-se de fazer críticas mais incisivas

ao capitalismo e dizendo que respeitariam os direitos dos povos originários. Na

realidade, pouco ou nada foi feito e, na maior parte das situações, as lideranças

políticas mexicanas compactuaram com a violência contra as populações indígenas,

como é exemplificado através da possível atuação do ex-presidente Ernesto Zedillo no

massacre citado anteriormente.


As Lutas Zapatistas


No primeiro dia de 1994, na mesma data em que era promulgada a adesão

mexicana ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), conhecido

atualmente como Acordo Estados Unidos, México e Canadá (USMCA), lideranças

indígenas de Chiapas realizaram um ataque armado e tomaram o controle de

prefeituras do Estado que faz fronteira com a Guatemala, em um processo que durou

12 dias até que o governo oferecesse um acordo aos zapatistas. Além disso,

proclamaram a Declaración de la Selva Lacandona, por meio da qual criticavam o

governo do então presidente Carlos Salinas de Gortari, suas promessas de

modernidade e de inserção do México na globalização, o histórico de descaso dos

governos federais face às populações indígenas do sul do país e a longa tradição

política mexicana de ser governada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) que

esteve no poder, de forma ininterrupta, entre 1930 e 2000 e cujo domínio na cena

política remonta ao período da Revolução Mexicana (1910-1920).


Apesar de sua atemporalidade, como se destacará em seguida, as bandeiras

levantadas pelo EZLN o foram em um período bastante particular das histórias

mexicana, latino-americana e mundial. Derrubado o Muro de Berlim (1989), dissolvida

a União Soviética (1991) e findada a Guerra Fria, instituiu-se o chamado “momento

unipolar” dos EUA, em que o poderio da potência hemisférica era absolutamente

incontestável. Na seara econômica, esse domínio se exprimiu por meio do Consenso

de Washington, que preconizava a adoção de reformas liberalizantes e a abertura à

globalização, mais bem expressa na formação de blocos econômicos como o próprio

NAFTA.


Para as populações autóctones dos Estados Americanos, tal quadro

socioeconômico do final do milênio apresentava uma evidente contradição: as tais

promessas de modernidade nunca haviam repercutido positivamente na qualidade de

vida dos povos indígenas. No âmbito da difusão do neoliberalismo, a tendência em

comento incluía, justamente, o desmantelamento de políticas públicas de proteção às

populações nativas e a adoção de um capitalismo individualista que ia de encontro aos

preceitos comunitários de comunidades tradicionais, onde o pertencimento ao grupo e

a coesão da comunidade possuem mais peso que o atingimento das aspirações

individuais.


Se nem mesmo os desdobramentos da Revolução Mexicana, uma das

primeiras da história do Ocidente a incluir as demandas das massas populares em

seus objetivos, foram capazes de atender às demandas das populações indígenas, a

desconfiança em relação às reformas neoliberais se afigurou absolutamente natural

para os insurgentes.


Uma remissão ao turbulento período que circunda a Revolução pode ser útil

para se traçar um paralelo com o surgimento do zapatismo contemporâneo. A

expropriação das terras eclesiásticas iniciada com a aprovação da Lei Lerdo (1856)

apenas transferiu a concentração fundiária das mãos da Igreja para a aristocracia rural,

a qual readequou tais extensões à lógica da economia capitalista sob o formato de

haciendas. Igualmente, e sobretudo durante o regime de Porfírio Diaz (1876-1910), os

pueblos indígenas (comunidades tradicionais) foram forçados a se adequar a esta

lógica, de forma que as populações autóctones foram privadas de suas terras

ancestrais ou forçadas a labutar em condições de extrema miserabilidade nestes

mesmos espaços.


No âmago da Revolução Mexicana esteve presente o projeto de reforma agrária

proposto no Plano de Ayala (1911) e concebido por Emiliano Zapata, que ansiava a

redistribuição das terras agriculturáveis do México em prol de seus habitantes originais.

Apesar do sucesso da Revolução em aprovar uma Constituição bastante progressista

para a época (1917) – ela seria a primeira das Américas a contemplar direitos sociais

–, as propostas que contemplavam a justa e equitativa distribuição das riquezas do

território mexicano nunca chegaram a ser aprovadas ou inteiramente implementadas.

Consequentemente, as demandas das populações indígenas por direitos básicos,

como alimentação, habitação, saúde, trabalho e acesso à terra, jamais cessaram, a

despeito da permanente repressão a que foram submetidas ao longo do século XX.


O novo tempo zapatista


As demandas desses povos se atualizaram com a irrupção do EZLN, mas nunca perderam a essência de garantia de direitos mínimos às populações indígenas que habitam em Chiapas e no sul do México. Em última instância, a retomada dos preceitos defendidos por Emiliano Zapata é parte essencial desta luta, daí surgindo a nomenclatura adotada pelos militantes.


No contexto atual em que se insere o recente manifesto difundido pelos zapatistas, percebe-se que a luta ainda possui evidente razão de ser. Não apenas as demandas contrárias ao desmantelamento de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nos territórios ocupados por descendentes das populações autóctones continuam extremamente relevantes, considerando-se os efeitos devastadores da pandemia de COVID-19 na América Latina, como também o quadro político existente no território mexicano indica a necessidade permanente de luta e reafirmação dos direitos destes povos.


Tal qual proposto na leitura do movimento feita por Jérôme Baschet, o novo tempo, conceito chave proposto pelos zapatistas, busca inspiração em um passado pré-colonial onde não existia exploração econômica ou desigualdade social, mas aspira a uma modernidade solidária e dotada de justiça social, na linha da defesa de uma seguridade social ampliada.



MATERIAL UTILIZADO

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/coletanea-reafirma-insurgencia-e

autonomia-do-movimento-zapatista.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1709200607.htm

https://iela.ufsc.br/noticia/25-anos-do-exercito-zapatista-de-libertacao-nacional

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/07/internacional/1530999712_945131.htm

https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2021/09/19/chiapas-a-beira-da-guerra-civil/

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