Introdução
A educação é um dos pilares do processo de desenvolvimento integral dos indivíduos, um direito humano, por meio do qual se promovem as capacidades físicas e intelectuais, a cidadania e consequentemente a transformação de todo o meio social. Paulo Freire, referência intelectual no âmbito da educação, descreve a mesma como sendo um ato político, necessário à liberdade plena das pessoas “por meio da consciência crítica, transformadora e diferencial, que emerge da educação como uma prática de liberdade”.
O aumento dos movimentos antidemocráticos e o avanço neoliberal ao redor do mundo têm feito com que as situações de retrocesso nos direitos já alcançados, mas nem sempre efetivados, sejam constantes, mostrando assim a necessidade de se discutir o atual cenário global, especialmente o campo da educação.
A real efetivação de uma educação emancipadora esbarra em obstáculos determinados pelo próprio sistema econômico e social capitalista, que a usa como mecanismo de dominação e perpetuação do próprio. As questões de gênero e classe social são determinantes: há processos formativos desiguais desde a base até à educação superior, que aprofundam as desigualdades sociais.
Panorama histórico
Dois momentos no calendário são utilizados para comemorar o Dia Internacional da Educação. A primeira data foi definida como sendo em 24 de janeiro, momento escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a segunda foi estabelecida no dia 28 de abril após o Fórum Mundial de Educação, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Dakar/Senegal em abril de 2000. No evento, centenas de países firmaram um pacto pelo desenvolvimento e implementação de medidas, para que o acesso à educação básica e secundária de todas as crianças e adolescentes fosse garantido até o ano de 2015. Em virtude disso, os objetivos e metas da Educação para Todos (EPT) foram organizados.
O encontro em Dakar foi considerado um “marco simbólico”, onde um acordo internacional foi consolidado e fundamentado pela Declaração dos Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança. A Declaração de Dakar reconhece a educação como sendo um direito humano fundamental que é necessário a todos de forma igualitária, um direito a uma educação que inclua “aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser” de modo a melhorar vidas e transformar sociedades. Além da educação como forma literal, ainda foram destacados o combate a discriminação de gênero nos sistemas educacionais, o papel da educação no enfrentamento e redução da pobreza e das desigualdades e a responsabilidade da mesma no desenvolvimento sustentável. Desta forma, assegurando a paz e a estabilidade, sendo um meio de alcançar a participação efetiva nas sociedades econômicas.
O segundo Fórum aconteceu em 2015 na Coreia do Sul, onde foram incorporadas novas metas para a atuação do plano até 2030. Nesse momento foram estabelecidas as metas para uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa ao longo da vida, baseada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 e reunidas no que foi chamado Declaração de Incheon.
Direitos Humanos e a Educação
A dignidade humana e a justiça são responsáveis por compor o núcleo central dos direitos humanos, sendo a primeira entendida como um princípio não questionável, em qualquer campo, e algo intrínseco, com origem no interior de cada indivíduo. Com isso, entendemos que os direitos são irrenunciáveis, já que ninguém pode renunciar sua própria dignidade ou ter a mesma retirada. Ademais, as características de indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, contidas na Declaração de Viena (1993), são particularidades que reconhecem que os mesmos formam um todo indivisível, onde a realização de um único direito depende da garantia e efetivação dos outros. Perante o exposto, qual seria a relação entre os direitos humanos e a educação?
A educação é tida como um direito social, de prestação positiva, onde a ação do Estado é extremamente importante e determinante para a sua proteção e concretização. Existem alguns instrumentos jurídicos, internacionais e nacionais, que pautam essas características legais do campo da educação. Entre eles podemos citar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, o art. 6.º da Constituição Federal Brasileira de 1988, entre outros. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986) aponta, em seu artigo 8.º, que os Estados devem ser responsáveis pela criação de medidas que promovam a realização do direito ao desenvolvimento, assim como também precisam conceber oportunidades que igualem o acesso dos indivíduos aos serviços e/ou ações básicas, necessárias para o progresso dos mesmos, como no caso da educação.
Além dos recursos jurídicos citados, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são estratégias de nível global, propostas pela ONU no ano de 2015 e reconhecidas pelos países membros dessa instituição. Esses objetivos são responsáveis por compor um plano onde a finalidade principal é a proteção dos direitos básicos, em especial os das populações que se encontram em uma maior situação de vulnerabilidade. Ao todo são 17 objetivos que em algum momento se interligam, formando um conjunto de direitos integrados. Com relação à educação, o 4.º objetivo da lista estabelece a necessidade de assegurar o ensino inclusivo e de qualidade, que seja capaz de capacitar os jovens e adultos para o mercado de trabalho. É sabido que uma boa educação pode levar ao processo de conquista de um emprego digno, tido como o 8.º objetivo das estratégias planejadas em 2015, tendo assim a oportunidade de melhorar as condições de vida dos indivíduos. Contudo, a educação não pode ser entendida somente a partir do ponto de vista da mercantilização, onde o direito é transformado em mercadoria, visando um retorno unicamente econômico e esquecendo-se de seu papel no âmbito social.
Mészáros (2015) entra em debate com a lógica do capital sobre a educação. Em sua obra “Educação para além do capital” o autor reafirma que o objetivo central de gerar mudança é revertido em instrumento do processo de acumulação do capital, onde a educação está vinculada ao destino do trabalho. Nesse meio ela se torna uma mercadoria. Emir Sader expõe que “nada exemplifica melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”, “tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação” que impede a emancipação e transforma espaços educacionais funcionais a lógica do consumo e do lucro.
Educação mundial e a pandemia de COVID-19
As situações de tensionamento político, que possuem relação com o campo da educação, têm se apresentado como um conflito constante ao redor do mundo, principalmente nos territórios mais afetados pela pandemia de Covid-19, como é o caso das áreas pertencentes a América Latina e ao Caribe. A implementação do ensino remoto, sem a devida preocupação dos Estados com as condições necessárias ao acesso, como internet e outras tecnologias adequadas, se tornou um grande empecilho no processo de participação de muitos alunos, sobretudo no ensino básico e público, o que deixa o setor da educação ainda mais fragilizado. Além das questões relacionadas ao acesso, a evasão dos alunos durante os períodos mais críticos da emergência sanitária foi e continua sendo um cenário complexo e preocupante,
Um estudo denominado ‘’Enfrentamento da cultura do fracasso escolar’’ foi publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em janeiro de 2021. O documento apresenta diversos dados sobre o processo educacional no Brasil, mas o que mais chama a atenção são as informações referentes ao abandono escolar durante o primeiro ano de pandemia no país e quais foram as populações mais afetadas com essa mudança brusca de cenário. A ausência da tecnologia necessária para o momento ou a falta de instrução, tanto dos professores quantos dos alunos/famílias, se apresentaram como pontos que influenciaram diretamente na perda do vínculo com as instituições, atestando o que foi exposto anteriormente.
Considerações finais
Ao longo do texto foi possível perceber que diversos países são signatários de múltiplos pactos; declarações e que possuem artigos constitucionais elaborados, mas a educação continua não sendo considerada uma ação prioritária em muitos Estados. A mudança na estrutura socioeconômica dos territórios é uma transformação que depende da educação, um ensino que consiga tratar os indivíduos como sujeitos de direitos e não somente como cidadãos que são capazes de gerar lucro.
Podemos apontar inúmeras preocupações na efetivação dos tratados internacionais, principalmente nos países da América Latina. As atuais políticas de austeridade fiscal reduzem o repasse de verbas para o setor, negligenciam o apoio à formação contínua e a seguridade dos educadores, promovem salários baixos e condições de trabalho inadequadas, corroborados por meio da análise dos diversos conflitos relacionados aos direitos trabalhistas ao redor do mundo, e pioram o cenário associado à ausência de vagas nas instituições de ensino. Diariamente nos deparamos com notícias estarrecedoras que deixam à deriva todo processo emancipatório e digno que se busca.
Portanto, é preciso repensar toda lógica em que se apresenta o cenário da educação atualmente e formas que façam com que o direito ao ensino não seja apenas mais um dos muitos já banalizados pelo Estado. A garantia e efetivação de todos os direitos devem ocorrer de maneira integral, evitando assim o comprometimento de todo o sistema de proteções sociais.
MATERIAL UTILIZADO
MÉZAROS, István. A educação para além do capital. Boitempo editorial, 2015.
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