Foto: Diogo Moreira/MCW Licença: CC BY 2.0 DEED
por Luana dos Santos
Nos últimos meses, o Estado de São Paulo tem sido palco de intensos debates sobre o processo de privatização de importantes serviços públicos. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) lidera uma iniciativa que busca transferir para o setor privado a gestão de diversos setores, incluindo a Sabesp, o Metrô e a CPTM. Esta medida, no entanto, não tem sido isenta de controvérsias e críticas.
A fim de aprofundar nossa análise sobre as privatizações, conduzimos uma entrevista com Ronas Augustin Mendes Filho, um profissional com sete anos de experiência na Trensurb e que exerce há quatro anos a função de dirigente do SindimetrôRS, o sindicato dos metroviários do Rio Grande do Sul, organização que também luta constantemente contra o projeto de privatização de serviços públicos. Essa conversa proporcionou uma visão mais detalhada e especializada sobre a questão em discussão.
1. Qual é a motivação por trás da proposta de privatização de determinados setores ou empresas?
A motivação vem de um discurso liberal alimentado pela grande mídia todos os dias e sem espaço para o contraditório, que vende uma ideia de que tudo que o Estado administra é ruim e ineficiente, portanto o Estado não tem competência para administrar o serviço, mesmo esse serviço sendo essencial a população como no caso do transporte público, saneamento básico, fornecimento de luz ou água. A justificativa utilizada é sempre econômica, mas não se sustenta.
No caso do Metrô, linhas privatizadas tiveram piora do serviço, aumento de tarifa e de acidentes, portanto, há uma disputa política e ideológica entre aqueles que entendem que o Estado precisa atender a população, principalmente as classes mais vulneráveis, e entre aqueles que defendem que o Estado não tenha empresas ou faça prestação de serviços, mesmo sendo eles essenciais.
2. Quais são os principais argumentos a favor das privatizações?
Os principais argumentos são de que o Estado não tem competência para gerir ou atender a população, de que o serviço privado seria mais barato, corrupção sistêmica, ou o simples argumento ideológico de que o Estado não deveria ter empresas ou fornecer serviços essenciais.
Nenhum deles se sustenta pela realidade, todos os países ditos do primeiro Mundo possuem estatais estratégicas, sejam na área petrolífera, na energética, no transporte, entre outras. Na questão econômica também não tem embasamento, pois no caso do Metrô, o subsídio aumenta em caso de privatização do serviço, pois tem que garantir o funcionamento do sistema e o lucro do operador, além da tarifa aumentar e o serviço piorar, como vem ocorrendo nas linhas privatizadas do Metrô de SP.
3. Quais são as preocupações ou críticas levantadas em relação às privatizações?
As privatizações fazem com que o trabalhador dessa empresa que foi privatizada ou terceirizada sofra com precarização do seu posto de trabalho, as condições são piores, salários mais baixos, isso leva a queda na qualidade do serviço. O serviço prestado por uma empresa privada faz com que a lógica mude, pois deixa de ser o atendimento à população e passa a ser exclusivamente o lucro, perdendo assim a função social que aquela estatal, empresa pública ou serviço presta.
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Como evidenciado na entrevista acima, os defensores das privatizações frequentemente argumentam que a transferência de empresas estatais para o setor privado pode resultar em maior eficiência e melhorias nos serviços oferecidos. No entanto, o anúncio de projetos de privatização, como a Sabesp, gerou reações negativas por parte de diversos setores da sociedade.
Uma série de greves e manifestações evidencia a insatisfação de trabalhadores e usuários desses serviços, que temem por suas condições trabalhistas e pela qualidade do atendimento à população. A principal greve contra as privatizações ocorreu no dia 03 de outubro, quando funcionários da Sabesp, Metrô e CPTM não exerceram suas funções durante 24 horas. Essa greve foi impactante na capital de São Paulo, com registro de 600 km de lentidão e a determinação de ponto facultativo. Ademais, só foi possível o funcionamento de creches, escolas municipais e postos de saúde. Em meio a greve e ao elogio do governador às linhas privatizadas, a linha 9-Esmeralda da ViaMobilidade (empresa privada) apresentou falhas elétricas e obrigou os passageiros a usar os ônibus da operação Paese. Tarcísio, em mais uma tentativa de defender o projeto falido de privatizações, afirmou: "O que a gente está vendo: a cada dia que passa, menos falhas nas linhas 8 e 9.”
No entanto, as linhas 8 e 9 registraram 166 falhas em apenas 1 ano sob administração da iniciativa privada, uma média de uma falha a cada três dias. De acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo, são problemas em equipamentos, trens, trilhos, sistema de alimentação elétrica, rede aérea e sinalização. Por outro lado, quando as linhas 8 e 9 eram administradas pela CPTM, em 2019, foram registradas 121 falhas, 45 a menos que as registradas na ViaMobilidade. Como de costume, o posicionamento de Tarcísio de Freitas sobre a greve foi repleto de hipocrisia:
Temos aí uma greve de Metrô, CPTM, uma greve ilegal, uma greve abusiva, uma greve claramente política, uma greve que tem como objetivo a defesa de um interesse muito corporativo. E quem está entrando em greve está se esquecendo do mais importante, que é o cidadão.
O governador esquece dos interesses dos cidadãos desde antes do início do seu mandato, representando apenas interesses privados como os projetos de privatizações que visam apenas o lucro, descartando o bem-estar dos cidadãos. Além dessa greve, os trabalhadores decidiram interromper suas atividades no dia 28 de novembro, novamente contra os projetos de privatizações que estão em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo. No entanto, os sindicatos do metrô e da CPTM anunciaram que vão trabalhar normalmente se não for cobrada passagem da população, entretanto, Tarcísio negou o acordo e entrou na justiça determinando 100% da frota ativa no horário de pico. A pressão social contra as privatizações é evidenciada nos relatos sobre as greves e nas pesquisas de opinião, como a consulta popular realizada por sindicatos de trabalhadores da Sabesp, do Metrô e CPTM, onde 99% dos participantes se mostraram contra as privatizações desses serviços.
Os críticos das privatizações também apontam para o risco de concentração de poder e influência nas mãos de bilionários. A privatização, segundo essa perspectiva, pode resultar em um cenário em que as decisões sobre serviços essenciais são tomadas com base em interesses privados, em detrimento do bem-estar da população. Esta preocupação é especialmente relevante em um país com histórico de desigualdades sociais, onde a privatização pode agravar disparidades já existentes. Além disso, os desafios práticos da implementação das privatizações também são pontos importantes das propostas de Tarcísio. Estes desafios incluem a necessidade de superar resistências políticas, técnicas e sociais, o que levanta questionamentos sobre a viabilidade e eficácia dessas medidas.
A análise de especialistas também revela a falta de consenso sobre os benefícios das privatizações. Enquanto alguns apontam para possíveis
ganhos em eficiência e qualidade, outros ressaltam os riscos envolvidos e a necessidade de uma cuidadosa avaliação.
Em síntese, o debate sobre as privatizações em São Paulo é complexo e polarizado. Enquanto os indivíduos que visam apenas os lucros defendem a medida como uma solução para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços, especialistas e a grande massa alertam para os riscos de concentração de poder, aumento das desigualdades e impactos negativos na vida da população. O governo de Tarcísio de Freitas enfrenta não apenas desafios práticos na implementação desses projetos, mas também a necessidade de responder às legítimas preocupações da sociedade em relação ao futuro dos serviços essenciais.
Luana Santos é estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e curadora do FSMSSS.
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