Um ser humano, com defeitos, qualidades, contradições. Mas, diferente da maioria, uma pessoa que se entregou por inteiro ao que acreditava. Uma vida marcada pela luta por democracia, liberdade e justiça social.
Marighella foi preso pela primeira vez em 1932, por participação de ato pela constitucionalização do país. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1934, participou de sua Comissão Executiva. Em 1936 foi preso e torturado e, libertado após um ano por medida do Ministério da Justiça, por ser preso político sem condenação, entrou para a clandestinidade.
Novamente preso e torturado em 1939, ficou no cárcere até 1945, quando foi anistiado com a chamada redemocratização pós-governo Vargas. Em 1946 foi eleito deputado federal constituinte, mas, como a democracia não era tanta assim, o Partido Comunista Brasileiro foi proscrito e ele perdeu o mandato, voltando para a clandestinidade.
Maio de 1964 marca nova prisão, da qual foi libertado por decisão judicial em 1965, decidindo pela luta armada como caminho para prosseguir no combate à ditadura militar. No ano seguinte renunciou à Comissão Executiva do PCB, tendo sido expulso do partido em 1967.
Fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN) em fevereiro de 1968, grupo armado de luta contra a ditadura que, juntamente com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) participou do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, que resultou na libertação de quinze presos políticos, que seguiram para o exílio.
Em 4 de novembro de 1969, aos 57 anos de idade, foi assassinado em emboscada, na Alameda Casa Branca, em São Paulo. Em 1996 o Ministério da Justiça reconheceu oficialmente a responsabilidade do Estado por sua morte e, em 2012, recebeu anistia post mortem. Por ocasião do 44º aniversário de sua morte, a Comissão da Verdade realizou ato de homenagem no local de seu assassinato, com a instalação de um marco que rememora o fato.
Com erros e acertos, dedicou a vida à causa em que acreditava através da militância no PCB, mas por considerar a postura do partido conciliatória e legalista em face de uma ditadura sanguinária, viu na luta armada o caminho para libertar a nação desse regime e esperava que o povo trabalhador se unisse a ele. As condições históricas dos anos 60-70 eram muito específicas e os que se sintam tentados a julgar Marighella devem conhecê-las antes de expressar sua opinião.
Esse homem que enfrentou a ditadura foi retratado numa cinebiografia 50 anos após sua morte. O ator e diretor de cinema Wagner Moura tentou lançar no Brasil o filme Marighella em 2019, mas o governo de Jair Bolsonaro impediu e o lançamento ocorreu no Festival de Cinema de Berlim. O atual governo brasileiro continuou tentando interditar o filme, mas nesta semana ocorre a estreia no país, ainda sob boicotes e movimentação de bolsonaristas nas redes sociais com atribuição de nota baixa para prejudicá-lo no IMDb, base de dados com classificação de filmes e séries.
Essa atitude do governo diz muito sobre ele próprio: um governo que não aceita ideias contrárias à sua cartilha obscurantista e não preza a cultura, área que teve sua verba extremamente reduzida e institucionalmente rebaixada de ministério para secretaria. Coisa de governo autoritário que, por razões óbvias, prioriza o ataque à liberdade cultural, num contraponto a Marighella, que lutou pela liberdade e contra a censura. E, de certa forma, continua lutando, por meio de sua história e seu legado, num filme.
Não por acaso, tanto a vida como a cinebiografia de Marighella incomodaram governos autoritários. Ele viveu e lutou sob a ditadura de Vargas e sob o regime militar, que impuseram a censura e assassinaram centenas de opositores. Agora, um governo que defende a ditadura e a tortura e que lançou o país num abismo econômico e social e do qual não se poderia esperar uma atitude diferente.
Neste Brasil que pouco conhece sua história real e as lutas políticas do seu povo, em que os fatos são traduzidos como resultado de meros atos dos poderosos, Marighella teve sua história silenciada, mas ele vive na luta atual contra o governo Bolsonaro e tudo o que ele representa, na luta dos movimentos sociais e dos trabalhadores.
A luta de Marighella une o Brasil de ontem ao Brasil de hoje; sua luta é a nossa luta.
Material utilizado
Marighella, Carlos. Excerto do livro Chamamento ao povo brasileiro e outros escritos; org. Vladimir Safatle. São Paulo: Ubu Editora, 2019. Magalhães, Mário.
Marighella – o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
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