top of page

Brasil: prioridade para a energia nuclear

Updated: Nov 23, 2023



A falta de participação da sociedade na formulação de políticas públicas nos diversos setores faz com que muitas decisões passem despercebidas. Você conhece a Política Nacional de Energia 2050? Formulada no governo Bolsonaro, foi colocado em consulta pública em julho de 2020, quando a pandemia de Covid-19 monopolizava as atenções. Prevê a construção de mais dez usinas nucleares até 2050, numa clara priorização da energia nuclear, por considerá-la um caminho para a redução de gases de efeito estufa, mas sem considerar outros aspectos.


Cientistas como o professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, em entrevista ao site Brasil de Fato, esclarece que não existe energia limpa, pois qualquer tipo resulta de processos físicos e químicos que trazem algum grau de degradação ambiental.


Acrescente-se os enormes riscos ambientais. Exemplo é a mina de urânio que vem sendo explorada em Caetité, estado da Bahia, por Indústrias Nucleares do Brasil – INB, estatal responsável pela mineração de urânio no país. Entre 2009 e 2019 ocorreram mais de dez acidentes, com vazamento de licor de urânio, ácido sulfúrico e derramamento de pó de urânio.


Essas substâncias contaminaram trabalhadores, solo e fontes de água da região.

Estudo realizado por cientistas do Centro Universitário de Caratinga sobre a alta incidência de câncer no município de Caetité concluiu pela possibilidade de relação entre a atividade mineradora de urânio e o aumento do número de casos de leucemia e câncer de pulmão e indaga acerca da existência de estudo socioambiental prévio à implantação da empresa, bem como indica a necessidade de fiscalização do poder público voltada para a garantia da qualidade de vida da comunidade, com avaliação dos efeitos dos rejeitos radioativos sobre a população e o meio ambiente.


Essa população não ficou inerte perante o aumento do câncer como causa de morte na região e da admissão da INB de que não fazia o monitoramento de saúde dos trabalhadores e da população da área porque os efeitos da radiação em baixas doses é cumulativo, podendo ser constatados apenas a médio e longo prazos. Essa declaração foi feita em 2005, em audiência pública. Lideranças da comunidade e representantes do Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual da Bahia se uniram em prol da realização de inspeção na INB e sua utilização como requisito para renovação da licença para ampliação da lavra pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos – IBAMA. A INB permanece omissa e o conflito vem sendo acompanhado por inúmeras entidades da sociedade civil.


O Brasil tem a sexta maior reserva global de urânio e nossa Constituição estabelece que tanto a exploração, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização, comércio de minérios nucleares e derivados quanto a exploração de serviços e instalações nucleares são monopólio da União. Trata-se de um setor que envolve cifras bilionárias e no qual o setor privado tem grande interesse. Não por acaso, o governo federal tem atuado no sentido de expandir a presença da iniciativa privada no setor. Nessa linha, o PNE 2050 fala em "aprimorar o marco regulatório associado à energia nuclear, passando pela flexibilização do monopólio da União, pela estrutura organizacional do setor e pela sua regulamentação". E o relatório anual de 2020 da INB afirma o objetivo de “viabilizar modelos de parceria com o capital privado”, além da busca de “flexibilidade operacional” para possível venda futura do combustível nuclear.


Santa Quitéria, município da caatinga cearense com cerca de 43 mil habitantes, vive possível exploração da jazida Itatiaia e abertura da maior mina de urânio e fosfato do Brasil, numa área com três bacias hidrográficas e 156 povoados, inclusive comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e assentamentos da reforma agrária, população que tira seu sustento da terra.


O Projeto Santa Quitéria prevê uma instalação nuclear, um complexo de mineração e uma pilha de fosfogesso e cal para depósito dos rejeitos do processo. As empresas envolvidas prometem centenas de empregos e desenvolvimento para a região, mas muitos moradores as ouvem com desconfiança. Entendem que estão numa região do semiárido e esse empreendimento usará grande quantidade de água, além de colocar em risco toda a população e animais por contaminação radioativa de águas, solo e disseminação de poeira e gases nocivos à vida. Essa consciência leva moradores e movimentos populares a lutarem para impedir a implantação desse projeto.


Segundo previsões, a usina Itatiaia produzirá três vezes mais que a existente em Caetité. Em 2019 o IBAMA considerou o projeto inviável em termos ambientais, mas as empresas que compõem o projeto protocolaram novo pedido, acompanhado de Estudo de Impacto Ambiental. O atual governo do Brasil é o que menos defende o meio ambiente e essas comunidades temem a futura decisão, perplexos com o fato de algumas pessoas terem sido chamadas para trabalho na sondagem do terreno e perfuração de poços sem autorização do IBAMA.


A questão da quantidade de água a ser utilizada pelo empreendimento é particularmente preocupante numa região semiárida. A maior parte da população que vive no entorno da jazida de Itatiaia não tem acesso a água encanada; seu abastecimento é feito por meio de caminhões pipa e cisternas. A capacidade do Reservatório Edson Queiroz é de 254 milhões de metros cúbicos de água, lembrando que 99% de volume de água deve ser reservado para a população para que haja garantia de abastecimento nos anos seguintes. É necessário calcular a disponibilidade de água para a população caso o projeto seja implantado e estamos no semiárido. O que ocorrerá num período de seca como o vivido entre 2012 e 2017, quando o reservatório chegou a contar com apenas 10% de sua capacidade?


A situação é preocupante, principalmente em um país governado por pessoas que não prezam o meio ambiente e a proteção da saúde e qualidade de vida dos brasileiros.



Material utilizado



44 views0 comments
bottom of page