1796 foi um marco histórico no mundo das ciências e da saúde humana, Edward Janner findou seu estudo sobre a primeira vacina da história, contra a Varíola, uma das doenças mais letais na história. Depois de séculos de estudo, há aproximadamente 200 anos atrás, o Brasil iniciou um projeto que revolucionária a história do país e do mundo, um trajeto que permitiu que o Brasil se tornasse modelo mundial de vacinação. Durante o século XX, no Brasil, foram fundados o Instituto Soroterápico do Rio de Janeiro, que viria se tornar a Fiocruz, e o Instituto Serumtherápico, o futuro Instituto Butantan, instituições que desde a sua fundação dedicaram-se a pesquisa e desenvolvimentos de vacinas. No entanto, o medo da população perante as vacinas e a obrigatoriedade de recebê-las, imposta pelo governo da época, gerou um desentendimento que culminou na Revolta da Vacina, assunto amplamente discutido até hoje nas escolas.
Depois deste ocorrido, diversas vacinas foram produzidas e aplicadas e diversas doenças foram erradicadas no Brasil, como foi o caso da febre amarela urbana, a varíola, a poliomielite e diversas outras doenças que causavam milhares de mortes anuais. Com a criação do Sistema Único de Saúde SUS, o Programa Nacional de Imunização (PNI) e a disseminação de informações, cada vez mais a população buscou a vacina e o Brasil se tornou um exemplo mundial neste campo. Um programa que iniciou com 2 a 3 vacinas, passou rapidamente para 13 a 14 vacinas, atualmente não mais obrigatórias, mas extremamente necessárias para a saúde pública do país.
A vacina funciona de maneira bem simples, aos termos contato com o patógeno (agente causador da doença) o nosso sistema imunológico cria memória o que permite uma resposta mais rápida ao se entrar em contato com ele novamente, diminuindo assim os riscos da doença, os sintomas e a morbidade. Embora exista diferentes tipos de vacina, o mecanismo de ação é praticamente o mesmo, elas são fabricadas para simular um contato com o patógeno, incentivando o sistema imune a criar os anticorpos necessários para combater rapidamente este agente, caso haja contato com ele futuramente. A maioria das vacinas permite um tempo de proteção longo, podendo variar de 5, 10 e até uma vida de imunização. Uma dúvida no que se refere as vacinas que são aplicadas anualmente, como a trivalente (influenza), surge, mas este intervalo curto deve-se ao fato delas serem atualizadas anualmente, cada ano 3 cepas de maior circulação são escolhidas para integrar a vacina, permitindo uma proteção de várias variantes da “gripe”.
As vacinas que antes demoravam cerca de 10 anos para chegar à população, vem chegando cada vez mais cedo, como observado na COVID-19, que em 1 ano ela estava iniciando a sua aplicação. Esta nova realidade deve-se aos avanços científicos que ocorreram nas últimas décadas, substâncias que antes demoravam anos para serem isoladas, atualmente em alguns minutos é possível tê-las em mãos. Muito se discutiu sobre isso durante a última pandemia, e foi um dos grandes impedimentos da vacinação em massa,
As crianças possuem um sistema imunológico em desenvolvimento, de maneira geral, até o 4° ano de vida o sistema imunológico é considerado imaturo e este se desenvolverá até o 12° ano, quando completa a sua maturidade. Durante este período, as crianças estão expostas a diversas doenças, desde gripes momentâneas até as que podem causar danos para toda uma vida, infecções como amigdalites frequentes (infecções que atingem as amídalas), otites de repetição (infecções no ouvido) e gripes em crianças de até 3 meses de vida, podem parecer inofensivas, no entanto, devido ao sistema imunológico deficiente, estas simples infecções podem ter complicações sérias, como cardiopatias, surdez e até mesmo evoluir para intubação e óbito, e não há muito o que se fazer no que tange a prevenção, posto que tais agentes não possuem vacinas até o momento. É de suma importância ter em mente que ao se vacinar protege-se não apenas a si mesmo mas aos outros a nossa volta, pois diminui as chances de mutação da doença, as internações e tratamentos dos casos moderados e graves e a superlotação do SUS, logo, ao vacinar-se permite que as pessoas que não puderam receber a vacina ainda, por virtude de alergias, lactantes ou qualquer outro motivo tenham uma maior proteção e caso venham a se infectar possam ser tratadas corretamentes e manejadas de forma rápida e eficiênte.
Ao se analisar o século passado, durante os 80 anos em que a varíola esteve em atividade, mais de 300 milhões de pessoas foram a óbito em virtude desta infecção. Há aproximadamente 30 anos atrás, a poliomielite paralisava mais de 1000 crianças por dia e, apenas no ano de 1988, mais de 350 mil crianças adquiriram tal doença, que pode causar paralisia e levar a morte, doença essa que, até a atualidade, não possui nenhum tratamento. Estas infecções, graves, que atingiam pessoas do mundo todo foram diminuindo e até chegaram à erradicação em virtude da criação das vacinas e da adesão a elas. No ano de 1980 a 33° Assembleia Mundial de Saúde declarou que o mundo estava “livres da varíola”, da mesma forma em 1989 a poliomielite foi erradicada no Brasil, após décadas de vacinação, campanhas que envolviam desde a mais ampla esfera governamental até as igrejas e creches de bairro e uma população empenhada em proteger as crianças e seus entes queridos.
Desde o ano de 2016, as coberturas de todos os imunizantes previstos pelo PNI estão em queda, na tentativa de aumentar o alerta sobre este tema, no ano de 2022 o Instituto Butantan realizou uma matéria que demonstrou a queda acentuada nas taxas de vacinação, e como esse fato é uma ameaça a saúde das crianças; nos anos subsequentes a Fiocruz e o Ministério da Saúde (MS) reafirmaram esta realidade e pontuaram uma queda crescente para os próximos anos, sendo que em 2023, mais de 60% dos municípios brasileiros não atingiram a meta de 95% de cobertura vacinal recomendada pelo MS, para as crianças de até 1 ano de vida.
Inegavelmente a sociedade global está caminhando para um tempo de surtos, epidemias e pandemias, uma vez que o trânsito mundial de pessoas e produtos cresce exponencialmente que, em consonância, com as mudanças climáticas que se tem observado, doenças que antes eram restritas a um único território hoje podem difundir-se com maior facilidade por todo o mundo. Em 2023, a Organização Pan-Americana de Saúde, afirmou que cerca de metade da população mundial está em risco de dengue, essa mudança de localidade da doença deve-se ao aumento da temperatura global, embora exista um surto de dengue no país, que levou a 1000 óbitos em apenas 13 semanas no ano de 2024, a vacinação ainda se encontra inferior a 11%. Em conformidade a esta realidade, em 2018 foi confirmado um sorto do sarampo no brasil, doença até então considerada erradicada no território nacional, este caso também foi atribuído a baixa adesão a vacina, conhecida como tríplice viral, que no ano de 2021 teve uma adesão inferior a 71,4%.
Em suma, ao vacinar não apenas protege-se a vida do vacinado, mas das pessoas ao seu redor, uma vez que quanto mais pessoas se vacinarem, menos casos moderados e graves da doença aparecerão e os recursos poderão ser direcionados aos pacientes que não foram direcionados. Além disso, com o maior número de pessoas vacinadas, as pessoas que não podem tomar as vacinas ainda, como as gestantes, lactantes e pessoas alérgicas, poderão ficar protegidas, pois diminui a circulação da doença. Vacinar-se realmente salva vidas, diminui as chances de epidemias, pandemias e diminui a mortalidade e morbidade infantil. Embora o país esteja longe de proporcionar igualdade no quesito saúde a todos, a adesão completa ao calendário vacinal daqueles que podem se vacinar diminuem os riscos dos marginalizados e corrobora para uma melhor qualidade de vida a todos.
Raquel Marques Landgraf é acadêmica de medicina e curadora do FSMSSS, com participação em ações de saúdes orientadas para a prevenção de câncer de mama, prevenção de câncer de próstata e ações de mapeamento da hipertensão arterial.
Todas curadorias são revisadas pelas coordenadoras Isadora Borba e Rafaela De Negri
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