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A ebulição global e sua contribuição para a piora da saúde da população mundial

Atualizado: 31 de out. de 2023

Raquel Marques Landgraf


Nos últimos meses as notícias sobre sobre eventos climáticos extremos - como, por exemplo, as altas temperaturas, enchentes, chuvas torrenciais - e sobre comportamentos peculiares, como o reporte de flores nascendo no alasca - vem tomando conta da mídia em todo o mundo. No verão europeu de 2022, por exemplo, as ondas de calor que assolaram 35 países causaram a morte de mais de 38 mil pessoas entre os meses de julho e agosto, não sendo este número alarmante um fato observado apenas na Europa, com diversos outros países encontrando-se nesta situação. No mês de setembro o Brasil registrou temperaturas superiores a 43°C, sendo essa média superior a registrada no deserto do Atacama no Chile.

O primeiro alerta sobre as mudanças climáticas ocasionadas pelo aquecimento global foi registrado em 1950 e já no final do século XIX o pesquisador Svante Arrherius, explorou a possibilidade do aumento da temperatura devido a emissão de dióxido de carbono (CO2). Um espaço fértil para os negacionistas, estudos recentes apontaram que sim o planeta está por si só num projeto de aquecimento - natural - mas esse não é o único culpado. O vulcanismo, as explosões solares e outros fatores de ordem natural contribuíram em algum nível - porém é notável e indiscutível que o ser humano e seu sistema e organização da realidade econômica e produtiva aceleraram e intensificaram este processo com a emissão de gases do efeito estufa, o desmatamento, as queimadas, entre outros, numa super exploração dos recursos naturais e dos ecossistemas

Diversos acordos que buscavam a descarbonização da economia, sem diminuir as oportunidades de emprego e produção, mas que garantissem a preservação do meio ambiente e da biodiversidade foram criados e assinados desde o ano 1997. Neste ano em Kyoto, no Japão, o primeiro tratado internacional para controle da emissão dos gases do efeito estufa na atmosfera foi acordado e, dentre as metas, estava a redução de 5,2% da emissão em comparação a 1990, metas maiores para países mais industrializados, como 8% de redução para a União Européia e a criação de formas de desenvolvimento sustentável. Embora assinado por 84 países, muitos abandonaram a iniciativa no passar dos anos, o que intensificou a demanda por um novo plano de contenção de danos. Devido ao resultado irrisório que este acordo proporcionou, foi proposto o Acordo de Paris, este aprovado pelos 195 países, tinha como objetivo novamente a redução de gases de efeito estufa (REE) e evitar que a temperatura subisse mais de 1,5°C em comparação ao período pré-industrial até 2030. Após 2017, data em que o acordo entrou em vigor, a temperatura global já subiu 1,1°C e a expectativa é que ainda em 2024 ultrapasse os 1,5°C propostos.

A Organização não Governamental (ONG) The Nature Conservancy, visando um avanço mais efetivo da proteção do meio ambiente e a REE, apresentou medidas simples que os Estados e instituições privadas podem tomar, dentre elas as propostas de investir mais na natureza, mudando a agricultura, - o que diminuiria não só a emissão dos gases, mas também proporcionaria outros benefícios, como menor poluição do ar - mudar para fontes de energia limpa, como a Alemanha vem fazendo desde 2015, mudando as janelas comuns dos prédios por placas solares. Estas ações, que conseguiriam manter progressão industrial ao mesmo tempo que possivelmente ajudariam significativamente a natureza com um baixo custo são discutidas anualmente na ONU e potencializam os ganhos ambientais e sociais que o retardo do aquecimento global garante.

Dados levantados pelo Global Forest Watch revelaram que, em 2021, perdeu-se mais de 9,3 milhões de hectares devido a incêndios ao redor do mundo, o estudo demonstrou também que as florestas tropicais foram devastadas 10% a mais em 2022 que no ano anterior, estes números - embora assustadoramente grandes - não fazem jus a quantidade de CO2 que foi liberado, uma vez que apenas o desmatamento do ano de 2022 liberou mais de 2,7 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Esta bomba de gás é capaz de causar uma série de alterações climáticas, como chuva ácida, poluição do ar e desequilíbrio no efeito estufa, o que leva a intensificação do aquecimento global e das doenças que emergem com ele, além do que, a queimada e a destruição do ecossistema em si já representam sérias consequências para o planeta

No filme Lorax, uma animação lançada em 2002, o tema desmatamento, aquecimento global e a indústria por trás destes acontecimentos é tratada de uma forma lúdica, porém muito concisa. Neste universo em que não existe mais árvores e o ar limpo é vendido em galões para as pessoas, o personagem principal, que sonha em conhecer uma árvore, sai em busca dela e de pessoas que lembrem como elas eram antes de toda a “civilização”, no decorrer da trama ele escuta a história do Lorax, e de como a ganância humana e a industrialização exacerbada destruíram o mundo das criaturas que ali viviam. Embora no filme esta realidade se limite a cidade em que os personagens vivem, no planeta terra ela é possível de virar uma triste realidade generalizada. Com o desmatamento causado por uma industrialização pautada apenas no “poder de expansão”,fatores decisivos no aumento da poluição que vemos hoje, temos muito mais que uma indústria focada na demanda da população, uma produção focada na demanda das elites e do próprio mercado.

Sendo esta a realidade da economia mundial, é inevitável que os danos ocorram. Numa tentativa de mudança, em 1992, o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Eco-92 ou Rio 92, nela as medidas para enfrentar os problemas crescentes da emissão dos gases causadores do efeito estufa foram definidas e um modelo que propunha a sustentabilidade e a proteção da biodiversidade foram acordados. No entanto, diversos países, principalmente os altamente industrializados, acabaram rompendo com esta e outras conferências mundiais sobre saúde e meio ambiente que vieram a ocorrer, dado a isto, uma multa acabou por ser aplicada aos países que assinaram os acordos e não os cumpriram.



Quando falamos de saúde pública global, o aumento das temperaturas globais e os danos que esta causa podem ser divididos em 2 subtipos, os danos agudos e os precisam de um período maior de exposição. Os impactos de curto período já começaram a ser sentidos no mundo todo, estes são relacionados com os alérgenos, sendo a rinite o principal exemplo. O aumento do CO2 na atmosfera aumenta a liberação de alérgenos biológicos, como o pólen, enquanto que o aquecimento desta, proporciona uma temperatura ótima para o crescimento e esporulação dos fungos no inverno. Estas situações aumentam a incidência, duração e gravidade dos quadros dos problemas e infecções respiratórios, que anteriormente eram mais restritos aos meses quentes do ano, fato confirmado pelo drástico aumento nas internações por crise asmática no Brasil, em 2022, ultrapassando as 15 mil internações no ano, um aumento de aproximadamente 34% em comparação com o ano anterior.

Ao analisar os desfechos em um período maior de tempo, nota-se uma crescente necessidade de medicação acompanhada de um aumento da dose para pessoas que já fazem uso decorrente de doenças crônicas, uma vez que as doenças pulmonares e cardíacas crescem à medida que estas alterações ambientais ocorrem. De maneira geral, o aumento das temperaturas é capaz de causar um espessamento no sangue que pode evoluir para a hipertensão arterial, por outro lado, esta mesma situação causa desidratação e aumenta os episódios de síncope nas pessoas que possuem a pressão mais baixa. Estas duas situações podem evoluir para o mesmo desfecho, o infarto agudo do miocárdio, posto que, a Sociedade Brasileira de Cardiologia revelou que o risco de infarto agudo aumenta quando as temperaturas passam dos 32°C, especialmente para as pessoas que já sofrem com hipertensão arterial crônica e dislipidemia (alta no colesterol), doenças observadas em mais de 60% da população brasileira e mundial.

Outro impacto que as mudanças climáticas causam no mundo é o aumento do nível pluviométrico, principalmente na região tropical e subtropical do planeta. O aumento das chuvas contribui diretamente para o aumento nas enchentes e alagamentos nas cidades, e embora o prejuízo econômico seja instantâneo e diversas vidas sejam perdidas dentro de poucos dias, este cenário contribui para que doenças oportunistas afligem a população. Em 2005 o katrina matou mais de 1300 pessoas e causou uma epidemia de gastroenterite em cerca de 40% das crianças e mais de 20% dos adultos, de forma similar, após as enchentes ocorridas em Petrópolis, no Rio de Janeiro em 2022, um aumento considerável no número dos casos de leptospirose foi documentado pela Secretaria de Saúde do estado. Este acúmulo de água proporciona um risco maior de infecção por leptospirose, hepatite A e outras doenças virais e bacterianas que podem ser disseminadas pela água contaminada, da mesma forma que assegura um ambiente adequado para a proliferação de vetores como ocorre no caso da dengue e malária.

O aumento da pluviosidade em consonância com o aumento das temperaturas possibilitam uma expansão dos casos de dengue, malária, zica entre outras doenças transmitidas por mosquitos. Segundo o boletim do Ministério da Saúde (MS), em 2022, houve um acréscimo de 189% dos casos registrados de dengue em comparação com o mesmo período em 2021, este fato além de causar a perda de centenas de vidas e causar pânico na população, ainda representa um gasto incalculável para o SUS, posto que um grande número de infectados acabam nos hospitais para monitoramento, como pode ser observado no estado de Santa Catarina, em 2022, em que as Unidades de terapia intensiva (UTIs), atingiram 96% da sua lotação com casos de gripe e dengue. Da mesma forma, os fatores do aquecimento global possibilitam que os vetores supracitados saiam das zonas que normalmente habitam, disseminando para as zonas temperadas do planeta, como pode ser notado com o aumento dos casos de dengue nos EUA e na Europa no ano de 2022.

Diante desta realidade, deve-se ter consciência que o aumento das temperaturas globais influencia diretamente o deslocamento dos animais dos seus habitats. Este deslocamento, em especial para as áreas com grande aglomerado populacional facilita as mutações virais e o seu salto dos animais silvestres para os humanos, assim como possivelmente aconteceu com o vírus da imunodeficiência (HIV) no século XIX, centenas de outros vírus tem o potencial de se tornar a próxima epidemia ou pandemia. Esta ligação entre a alteração climática e a transmissão viral foi descrita pela equipe da Universidade de Georgetown e sugere que as mudanças climáticas serão o maior fator de risco para o aparecimento das doenças. Em consonância com essa realidade preocupante, vive-se uma constante desvalorização das enfermidades características dos países mais pobres, como é possível notar na falta de incentivos às pesquisas de tratamento para doenças como malária, dengue e ebola, sendo o ebola atualmente uma das doenças mais mortais que existe, com taxa de óbito maior que 90%. Estas infecções enquadram-se como possivelmente pandêmicas e com o reduzido empenho que vem sendo empregado em grande parte do mundo para conter o aquecimento global, somado com o negligenciamento de diversas doenças tropicais, este cenário torna-se cada vez mais próximo.

Os danos globais causados pelo aumento da mortalidade, das epidemias, e das diversas consequências que o aquecimento global vem causando também contribui para a ansiedade, depressão e número de suicídios mundial. De modo geral as catástrofes naturais causam danos físicos e psiquiátricos na população, porém, o fato de que elas estejam acontecendo com maior frequência e intensidade nos últimos anos dificulta uma boa recuperação mental da população e tem impacto direto nos casos de alcoolismo e desordem psicológica, principalmente nas crianças. Esta realidade foi vivida pelos sobreviventes do Katrina em 2005, pelas pessoas durante a pandemia do coronavírus, e nas outras diversas calamidades que ocorreram no mundo, durante estes períodos foram registrados um aumento considerável no consumo de álcool e drogas, como revelado pelo site dos Alcoólatras Anônimos (AA), em que um número 4 vezes maior de e-mails foram recebidos durante a pandemia de 2020.

Segundo pesquisas realizadas em 2009, pelo Observatório do Clima, o aumento máximo tolerado pelo planeta da temperatura seria de 2°C, cruzando essa marca, grande parte das espécies que conhecemos atualmente seriam extintas . A previsão para atingir este marco era de aproximadamente 100 anos, no entanto, devido a ação humana, a temperatura média global deve subir 1,5°C até 2026 e a expectativa é que em 2100 ela ultrapasse os 4°C, aumento este potencialmente fatal para 22% da população mundial, segundo um estudo público realizado pela Nature Sustainability. Dado a esta perspectiva catastrófica, medidas mais eficazes para diminuir a emissão dos gases do efeito estufa, o retardo geral do aquecimento global e a expansão mais consciente das empresas devem ser aplicadas, não apenas discutidas pelos congressos de saúde pública e meio ambiente. Estamos em ebulição global, mais perto do que nunca de tornar grande parte do mundo similar ao Vale da Morte, deserto da Califórnia, em que as temperaturas chegam a 57°C. Caminhamos para a venda de ar enlatado, para a extinção das faunas e floras, para o esquecimento das árvores e para a busca da Trúfula perdida.

Talvez o filme Lorax não seja apenas uma distopia irreal para crianças, mas sim um aviso direto: ou mudamos, ou assistiremos o planeta se tornar avesso à vida. Não podemos mais ignorar a realidade produzida por uma economia mundial focada apenas no mercado e seus desejos, que ignora a vida e os direitos da natureza.




Os trabalhos do FSMSSS são revisados por Isadora Borba e Rafaela Venturella De Negri








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