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A desassistência programada nos territórios indígenas Yanomami

Atualizado: 23 de nov. de 2023


Introdução

Conforme dispõe o caput do artigo 231 da Constituição Federal de 1988, à União compete proteger e fazer respeitar todos os bens das populações indígenas, objeto de especial tutela por parte do Estado. Já o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73), responsável por regular a situação jurídica das comunidades indígenas, nada obstante ter sido editado durante a ditadura militar e possuir paradigmas defasados na esfera da proteção dos povos originários, igualmente atesta que compete ao poder público, mediante atuação particularmente incisiva do Executivo Federal, proporcionar aos indígenas meios para o seu desenvolvimento e executar os programas e projetos tendentes a beneficiar essas comunidades.

A execução de políticas indigenistas no Brasil contemporâneo, contudo, destoa francamente dos ditames estipulados na legislação. Neste sentido, é digna de nota e de pesar a desassistência à qual vêm sendo submetidas as populações Yanomamis, sujeitas a uma lógica nefasta de exploração econômica (ilegal) de suas terras e do esvaziamento de políticas públicas vocacionadas à sua proteção integral. Tal quadro é refletido em índices desumanos de cobertura de ações de saúde entre tais populações, minando um dos pilares da seguridade social à qual tais populações fazem jus.


Panorama histórico

Os indígenas Yanomamis compõem um grupo étnico de aproximadamente 35.000 pessoas, localizados em um território de 192.000 km2 que se estende ao longo da fronteira amazônica entre Brasil e Venezuela, na região da bacia do Rio Orinoco. Trata-se de uma população amplamente conhecida por sua grande importância na preservação ambiental no Arco Norte.

Com o passar das décadas, tornou-se crescente a penetração do Estado brasileiro e de atividades econômicas na região, como o extrativismo vegetal, o garimpo e a abertura de rotas rodoviárias. O contato forçado desses indivíduos com a população não-indígena e o processo frequente de exposição a doenças para as quais as populações não possuíam memória imunológica fizeram com que essas comunidades sofressem grandes perdas demográficas. Dessa forma, passou a ser necessária uma atuação específica do próprio Estado brasileiro em direção a tais coletividades, especialmente no que tange à prestação de ações em matéria de saúde pública.

Miséria planejada na comunidade Yanomami

Atualmente, nada obstante, as comunidades situadas nos territórios e reservas Yanomamis passam por um cenário crítico de desassistência, o que gera consequências amplamente negativas para os povos originários.

A exploração ilegal de seus territórios, inclusive em áreas onde ainda residem alguns povos autóctones isolados (isto é, que nunca tiveram contato com a civilização ocidental), está ligada à devastação de sua morada ancestral e à destruição de seu modo de subsistência, haja vista o fato de que muitas comunidades ainda dependem de atividades extrativistas para sobreviver. A inação do Estado na coibição de tais práticas possui repercussões óbvias para a seguridade social destas populações.

O problema mais urgente que tais comunidades enfrentam nos dias de hoje, todavia, reside na falta de assistência do governo em matéria de saúde, o que tem colocado os Yanomamis em uma situação de extrema fragilidade, seja em matéria de assistência básica à saúde - como a vacinação contra a COVID-19 ou outras doenças -, seja em matéria de segurança alimentar.

A desnutrição tem se apresentado como um problema extremamente preocupante, atingindo uma grande parcela das crianças Yanomamis, em especial as que possuem entre 1 e 5 anos. A falta de alimentação adequada, em conjunto com a virtual ausência de água potável em alguns pontos, bem como um deficiente serviço de saneamento básico e o precário atendimento médico disponível, são alguns dos fatores que levam ao desenvolvimento e/ou agravamento de doenças como a malária, contribuindo para um aumento assustador da morbidade. Para se ter ideia da gravidade da situação, colaciona-se o dado a seguir: os cidadãos que fazem parte dessa comunidade constituem cerca de 0,013% de toda a população brasileira, mas os casos de mortalidade infantil, derivados em especial da condição de má-nutrição, extrapolam o número das outras ocorrências, do mesmo quadro, identificadas no restante do país.

As Unidades Básicas de Saúde Indígenas (UBSIs) são estabelecimentos de saúde que buscam prover ações, preventivas e/ou curativas, de saúde e saneamento básico nas terras dos povos originários. Entretanto, menos da metade das aldeias que compõem o território Yanomami possuem uma UBSI, e mesmo na hipótese de instalação das unidades na região, é corriqueiro que elas não disponham de uma estrutura adequada para o atendimento da população. Afinal, o número de profissionais que constituem as equipes tem sido reduzido, a falta de medicamentos e alimentos é uma situação recorrente e a inexistência de transporte para locomoção das próprias equipes e dos pacientes necessitados são circunstâncias que influenciam no avanço da situação de vulnerabilidade.

Da mesma forma, o avanço do garimpo ilegal tem contribuído para a piora da qualidade de vida dos Yanomamis. O desmatamento, a expulsão das espécies nativas e a contaminação da água – devido ao mercúrio utilizado na extração do ouro – são ações constantemente praticadas pelos garimpeiros. A tese do Marco Temporal para a demarcação dos territórios indígenas - que tem como objetivo estabelecer um período no tempo para que se comprove a ocupação indígena em determinada localidade, possibilitando a demarcação do território –, atualmente em apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, tem agravado as invasões provocadas pelos garimpeiros, grandes agricultores e pecuaristas que se beneficiam de ações tomadas ou defendidas pelo atual governo de Jair Bolsonaro para a região amazônica.


Conclusão

Concluindo-se, pode-se afirmar que a situação das populações Yanomamis é absolutamente desesperadora e não pode ser atribuída a meras causalidades e contingências locais. Há, em prática, uma verdadeira desassistência programada pelo governo federal em relação às populações indígenas, atuação que é feita mediante o desmonte de políticas públicas que compõem a saúde, um dos tripés que sustentam o regime de seguridade social brasileiro.

O projeto de “desenvolvimento nacional” levado a cabo na atual conjuntura brasileira é, acima de tudo, predatório e avassalador. Redunda na devastação ambiental, na exposição maciça da população brasileira ao coronavírus e, agora, na miséria planejada dos Yanomamis, resultando em um episódio trágico da história da população indígena brasileira.



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